quinta-feira, 26 de agosto de 2010

VIDAS MORTAS

Ao amanhecer, Everton já sabia quais as suas obrigações: Arrumar a cama, varrer a casa, cuidar dos irmãos, fazer comida, tomar banho e ir pra escola. O pai foi assassinado em uma emboscada, armada por policiais para prender bandidos. O infeliz, ferido por engano, se tornou traficante depois de morto.
Quando estava quase acabando os afazeres, Everton ouviu um barulho no telhado. Colocou a cabeça do lado de fora. Apressado, fechou tudo. Estavam invadindo o morro. Já era a segunda vez, só essa semana. Mandou os irmãos ficarem quietos no quarto. "Merda"! Zequinha estava na rua.
O barulho de fogos, misturado ao de tiros... O caveirão já vinha subindo. Deveria ser rápido em encontrar o irmão caçula. Ao descer as escadas do barraco, pode avistar de longe a figura franzina de Zequinha, segurando uma pipa e correndo em direção a sua casa pelo beco.
Zequinha desceu ao chão... A pipa subiu aos céus... Everton viu sua vida mudar.... Nunca mais iria sonhar...
FIM

POR: Evandro Santos Pinheiro e
Fabio da Silva Barbosa

domingo, 15 de agosto de 2010

A POLITICA DIVINA

- E que Deus acompanhe vocês.

Pastor João termina o culto com sua frase habitual. Tinha de se apressar para a reunião do partido. Pastor, político e dono de uma clínica de reabilitação. O tempo estava curto. Entrou no carro e partiu rumo ao seu futuro político.

Em outro canto da cidade, Areovaldo catava comida azeda do lixo de um restaurante. Papelão, latinhas e outros recicláveis eram recolhidos para o sustento da família. Analfabeto, pai de seis filhos, seu endereço era localizado embaixo de um viaduto, sentia certa decepção por não poder proporcionar uma vida melhor aos filhos, tinha quase certeza que sua prole estava fadada ao fracasso. Prédios, edifícios, condomínios de luxo, áreas cercadas por seguranças, em meio ao tumulto normal da grande metrópole. Habitualmente sua esposa ajudava na complementação da renda da família, vendendo balas e doces no semáforo.

Ao atravessar a rua, avistando uma promissora pilha de lixo, Areovaldo se descuidou e foi atingido em cheio por um carro 0 km que vinha em alta velocidade. O corpo subiu, caindo no pára-brisa, que se espatifou. Pastor João socou o volante, soltando um sonoro "Puta que o pariu". Abriu a porta e se pôs de frente para o corpo que jazia em sua última aquisição material. Olhou para os lados, percebendo a rua deserta. Pensou alguns segundos e atirou a vítima no asfalto. Entrou no carro e partiu em retirada. Foi blasfemando até a casa de um irmão de fé e companheiro de partido, que morava nas redondezas.

Após algumas horas de conversa séria, articulações e conchavos, os acordos políticos estavam firmados. Os recursos financeiros viriam de varias fontes, mas uma em especial era o dinheiro sagrado, depositado pelos fieis para a obra de cristo Dinheiro conquistado pelo pastor, após horas de milagres, orações e profecias. Nada mais justo. Aliás, a justiça divina nunca falha. Muito menos a política divina realizada por homens de conduta ética ilibada. A questão de levantar mais grana era simples. Realizar campanhas de cura e libertação. Como sabemos, pastor João tinha contato forte com o criador. Nada mais que um diálogo seria necessário para que as coisas se resolvessem. Todos se dariam bem.

- Obrigado por mais essa, irmão.

- E a reunião que você teria agora? Já obteve resposta do seu suplente?

- Quando liguei para ele pedindo que me substituísse, pedi que ligasse apenas se tivesse algum problema. Amanhã meu mecânico vai vir concertar o carro aí na sua garagem. Pode deixar que vou cuidar bem do seu carro.

- Não tem problema. Tenho mais três na garagem da frente. Vá em paz, Pastor.

- Que Deus o acompanhe, irmão.

Amem.


Por: Evandro Santos Pinheiro e

Fabio da Silva Barbosa