quinta-feira, 23 de abril de 2009

Ponto de vista

Avolumam-se, com suspeito sincronismo, as
denuncias na imprensa sobre a prática do
nepotismo entre os políticos brasileiros. Como um
dos atingidos pela nefasta campanha, que visa
denegrir a imagem do servidor público no Brasil, a
mando de interesses inconfessáveis, me senti no
dever de responder publicamente às insidiosas
insinuações, na certeza de que assim fazendo
estarei defendendo não apenas minha honra –
apanágio maior de uma vida toda ela dedicada à
causa pública e à tradição familiar que assimilei
ainda no colo do meu saudoso pai, quando ele era
prefeito nomeado da nossa querida Queijadinha
do Norte e eu era o seu secretário particular,
depois da escola – mas também a honra de toda
uma classe tão injustamente vilipendiada, a não
ser quando pertence a outro partido, porque aí é
merecido. A imprensa brasileira, em vez de
cumprir seu legítimo papel numa sociedade
democrática, que é o de dar a previsão do tempo e
o resultado da Loteria, insiste em perscrutar as
ações dos políticos, como se estes fossem
criminosos comuns, não qualificados, e em
difamá-los com mentiras. Ou, em casos de
extrema irresponsabilidade e crueldade, com
verdades. Outro dia, depois de ler uma reportagem
em que um órgão da nossa grande imprensa me
fazia acusações especialmente levianas, virei-me
para meu chefe de gabinete e comentei: “Querida,
por que eles fazem isto comigo?”. Mas ela apenas
resmungou alguma coisa, virou-se para o outro
lado e continuou a dormir, obviamente perplexa.
As hienas da imprensa não medem as
conseqüências das suas infâmias. Tive que proibir
aos meus filhos a leitura de jornais, para poupálos.
Como a função dos quatro no meu gabinete é
unicamente a de ler jornais e eventualmente
recortar algum cupom de desconto, o resultado é
que passam o dia inteiro sem ter o que fazer e
incomodando a avó, que serve cafezinho. Não me
surpreenderei se algum jornal publicar este fato
como exemplo de ociosidade nos gabinetes
governamentais à custa do contribuinte. O
cinismo dessa gente é ilimitado.
Mas enganam-se as hienas se pensam que
me intimidaram. Não viro a cara para meus
acusadores, embora eles só mereçam desprezo,
mas os enfrento com um olhar límpido como
minha consciência e um leve sorriso no canto da
boca. Minha vida como parlamentar é um livroponto
aberto, imaculadamente branco. Como
ministro, não tenho o que esconder. E, mesmo que
tivesse, não haveria mais lugar nos bolsos. As
acusações de nepotismo são tão fáceis de
responder que até meu secretário de imprensa,
Gedeão, casado com a mana Das Mercês, e que é
um bobalhão, poderia se encarregar disto. Mas eu
mesmo o farei.
Não, não vou recorrer a subterfúgios e
alegrar que o nepotismo é antigo como o mundo,
existe desde os tempos bíblicos e está
mesmo nas origens do cristianismo. Quando
Deus Todo Poderoso, que era Deus Todo
Poderoso, quis mandar um salvador para a
Terra, quem foi que escolheu? Um filho! Nem
vou responder à infâmia com a razão,
denunciando a hipocrisia. Vivemos numa
sociedade que dá o mais alto valor à lealdade e
aos sentimentos de família. Enaltecemos o bom
filho, o bom pai, o bom marido – e o bom
cunhado, como acaba de me lembrar o Gedeão,
aqui do lado -, e no entanto esperamos que o
político, abjetamente, deixe de dar um emprego
para alguém do seu sangue e dê para o parente
de outro, às vezes um completo estranho, cuja
única credencial é ser competente ou ter
passado num concurso. Também não vou usar o
argumento do pragmatismo, perguntando o que
é melhor para a nação, o governante ser
obrigado a roubar para sustentar um bando de
desocupados como a família da minha mulher
ou transferir os encargos para os cofres
públicos, com suas verbas dotadas, e regularizar
a situação? Neste caso, o nepotismo é
profundamente moralizante. Com a vantagem de
estarmos proporcionando a um vagabundo
treinamento no emprego. Meu menino mais
velho, por exemplo, poderia ocupar a cadeira de
ministro de Estado a qualquer instante, pois,
como meu assessor, aprendeu tudo sobre o
cargo, menos a combinação do cofre, que não
sou louco.
Mas não vou dar aos meus difamadores a
satisfação de reconhecer a pseudoirregularidade.
No meu caso, ela simplesmente
não existe. ”Nepotismo” vem do italiano
“nepote”, sobrinho, e se refere às vantagens
usufruídas pelos sobrinhos do papa na Corte
Papal, em Roma. Bastava ser sobrinho do papa
para ter abertas todas as portas do poder, sem
falar de bares e bordéis.
“Sobrinho” não era um grau de parentesco,
era uma profissão e uma bênção. A corte
eclesiástica era dominada pelos “nepotes”, e,
neste caso, a corrupção era evidente. Qual o
paralelo possível com o que acontece no Brasil
hoje em dia? Só na fantasia de editores
ressentidos, articulistas mal-intencionados e
repórteres maldizentes as duas situações são
comparáveis. Desafio qualquer órgão de
imprensa a vasculhar meus escritórios, meus
papéis, minha casa, meu staff, minha vida e
encontrar um – um único! – sobrinho do papa
entre meus colaboradores. Não há sequer um
sobrenome polonês!

Exijo retratação.

***Luís Fernando Veríssimo é pseudônimo.

Nenhum comentário:

Postar um comentário